Homem multifacetado, o negociante carioca Júlio Henrique Raffard teve diversas atividades  ao longo da vida, tendo ficado marcado como o fundador do vultoso engenho central de  São João do Capivari, em São Paulo, que deu origem à chamada Villa Raffard, hoje um município do mesmo nome (1). Filho do ex-cônsul da Suíça no Brasil, Raffard estudou literatura e matemática na Europa e, voltando ao país, teve longa carreira como empreendedor, mas manteve paralelamente o interesse pelas questões  sociais, econômicas e históricas do país. Filiado ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e colaborador de periódicos como o Jornal do Commercio, ele publicou para este último, em 1890, uma série de notas  com impressões colhidas durante sua última viagem  à  capital paulista. Nos textos, ele abordava as grandes transformações ocorridas na cidade e no estado naqueles tempos em que se iniciava a massiva imigração estrangeira, imigração que ele próprio foi um dos fomentadores. Em 1892, ele republicou essas notas, sob o título “Alguns dias na Paulicéia” - na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (2)
 
Um dos assuntos discutidos na obra são os quatro núcleos coloniais que então se situavam  no território do município de São Paulo:   Glória, Santana, São Bernardo  e São Caetano. Relembrando  visitas que fizera  aos núcleos entre 1878-9, pouco tempo após eles terem sido implantados,  Raffard aponta as colônias da  Glória e de Santana como tendo  poucos  cultivos agrícolas ,e ,em contraste,  vê situação melhor em São Caetano e, especialmente, no Núcleo de São Bernardo. Sobre este último, afirma: “passeando por diversos lados da colônia admirei as bonitas roças de milho, grandes mandiocais e mais culturas dos colonos”. Observa ainda que, em São Bernardo, os agricultores, maioria da população, ficavam nos seus lotes rurais durante a semana, enquanto os que tinham atividade artesanal, como pedreiros e marceneiros, trabalhavam em São Paulo, regressando  “aos sábados para passarem o domingo com a família” (3). A estrutura viária era  composta das antigas Estrada de Santos, Vergueiro, Sacramento e de Santo Amaro, que se entrecruzavam, e pelos caminhos vicinais que serviam os lotes.
 
Na área urbana são-bernardense, Raffard contou “16 casas regulares e 15 casinhas”, além da antiga igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem. Nos lotes rurais, viu “modestas cabanas e paiois, bem como instrumentos aratórios e diversos moinhos com turbina”. São Bernardo era habitada tanto  por  “brasileiros, quanto italianos, alguns austríacos e poucos prussianos”. Os camponeses locais  estavam, para Raffard, “alegres e satisfeitos”, mas ele lembra que haviam chegado a sublevar-se duas vezes pelo não pagamento dos salários pelo trabalho na abertura e manutenção de estradas. Posteriormente, reclamaram também da demora na entrega do título de propriedade dos lotes coloniais (4).
 
No tempo da visita de Raffard, em 1879, o núcleo de São Bernardo, ainda em seus primórdios, contava com 48 lotes urbanos e 177 lotes rurais (5). Haviam sido abertas somente as linhas Jurubatuba (englobando a área dos atuais bairros Planalto, Assunção, Jordanópolis, Casa e partes do Centro e do Demarchi), São Bernardo Velho (área dos atual Bairro Anchieta, Jardim do Mar e parte do Rudge Ramos) e São Bernardo Novo (Montanhão, Santa Terezinha e parte do Ferrazópolis),  além da Sede Urbana (correspondente a algumas ruas do centro atual) . Entre 1886 e 1905, outras onze linhas seriam criadas, especialmente na área do atual Riacho Grande, com um total de 545 lotes ocupados (6).
 
Embora não mencione no texto, Raffard tinha uma ligação familiar com São Bernardo, pois era casado com Eudoxia Dias de Toledo, filha do conselheiro Manoel Dias de Toledo (-1874) e neta do Alferes Bonilha (pai da esposa de Manoel Dias). Toledo e Bonilha foram  sócios numa fábrica de chá em São Bernardo entre as décadas de 1840 e 1870. Sem explicitar seu laço familiar,Raffard menciona Bonilha, ao lembrar que, além da antiga fazenda do beneditinos, o governo imperial comprou também, para montar o núcleo colonial, as terras de Bonilha, “que deixara boa plantação de chá e respectiva fábrica, bem como alguns carneiros  a cuja criação dedicara”. Sobre Bonilha, lembra ainda que antes da construção da estrada de ferro Santos-Jundiai, quando “as viagens faziam-se forçosamente passando por por São Bernardo”, “inúmeros viajantes relacionaram-se com o abastado senhor da única casa de sobrado da freguesia, o qual os obsequiava e retinha às vezes para depois recomendá-los à seu genro (Toledo) na Capital” (7).
 
 
Na imagem, Henrique Raffard.
 
 
Notas: 
 
(1) Diários da Princesa Isabel.Excursão do Conde D´Eu a Província de S. Paulo. São Paulo, 1957.
(2) Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Tomo LV, parte 2. 1892
(3) Idem
(4) Idem
(5) Idem
(6) Planta do Núcleo Colonial de São Bernardo - 1906. Arquivo do Estado de SP. 
(7) Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, idem.
 
 
 

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