Instalado em 11 de maio de 1890, o antigo município de São Bernardo abrangia todo o território da atual região do Grande ABC, no qual existiam diversos pequenos núcleos populacionais,  estando entre eles  alguns dos  que dariam origem às atuais cidades  da  área. Tendo como sede  a parte central do atual município de São Bernardo do Campo,  a nova entidade administrativa aproveitava, com algumas exceções, a delimitação da antiga freguesia  homônima, formalizada em 1812. Retrocedendo ainda mais no tempo, encontramos as delimitações imprecisas do Bairro de São Bernardo, no século XVIII, e  do Bairro da Borda do Campo, no  século XVII (1), ambas  relacionadas à mesma região.

No período colonial, a região era constituída por  áreas rurais escassamente povoadas e pertencentes ao município de São Paulo.  Entre as principais referências locais estavam capelas, como a  do Pilar(1714), na atual  Ribeirão Pires,  a de São Bernardo (1717),  a de Nossa Senhora da Conceição (1739),  na atual Diadema,  e a de São Caetano (1717).

Em 1835, o pároco da Freguesia de São Bernardo, Manoel da Natividade Marques, produziu um pequeno recenseamento do território sob sua responsabilidade. Seis distritos informais foram citados: Bairro da Freguesia (atual centro de S.B.C.), 239 almas; “Bairro do Caminho de Santos” (talvez atual  Riacho Grande),  195 almas ; “Bairro da Borda do Campo até confinar com o distrito da Sé e com o Bairro de São Bernardo  (...) Freguesia de Santo Amaro” ( possivelmente atual Diadema e adjacências), 160 almas;  “Guarará ou Vila Velha de Santo André” (atual Santo André e adjacências), 372 almas; “ Bairro do Caaguaçu e parte do Pilar que confina com o Brás” ( atual Mauá e adjacências),  134 almas; “Bairro do Pilar onde tem uma capela” ( atual Ribeirão Pires),  170 almas (2).  Os limites distritais  adotados pelo padre Manoel para a contabilização da população de cada localidade são hoje desconhecidos. Na época a região era rural, à exceção de um punhado de ruas e estabelecimentos comerciais  existentes ao redor do Largo da Matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem, na sede da Freguesia. Boa parte desta população, cerca de 25%, era constituída por escravos (3). Grandes fazendas como a do Alferes Bonilha, em São Bernardo,  ou a do Capitão José Barbosa Ortiz, localizada na região entre as atuais Santo André e Mauá, concentravam muitos escravos e chegavam a abrigar dezenas de moradores.

A partir de 1867,  surgiram diversas estações ferroviárias na recém inaugurada Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, várias das quais, cerca de três décadas depois, se tornariam os núcleos do desenvolvimento urbano inicial das suas respectivas cidades: Estação São Bernardo (1867), na atual Santo André; Rio Grande (1867, na atual Rio Grande da Serra); Estação Pilar (1883) , na atual Mauá; e Estação Ribeirão Pires (1885). A Estação Alto da Serra (atual Paranapiacaba), embora não tenha dado origem a um município, foi ponto de partida para um pequeno núcleo urbano, com ruas, comércio e concentração de moradias. Sua  inauguração aconteceu  em 1867, mas desde 1862 já abrigava operários que trabalhavam na construção da estrada. A partir de 1877, se inicia a ocupação de núcleos coloniais por  imigrantes europeus em São Bernardo (1877), São Caetano (1877) e Ribeirão Pires (1887). O aumento populacional decorrente da criação e progressiva ocupação destas colônias  permitiu que,  em 1887,  a população da Freguesia atingisse o mínimo de 4 mil habitantes  necessário para criação de um município (4).

Com relação às décadas seguintes à instalação do município de São Bernardo, a maioria  dos registros que permitem estimar as dimensões dos ainda pequenos núcleos urbanos da região constam de documentos produzidos pela Câmara Municipal, em especial os relativos à arrecadação de impostos. Assim, em 1893, a região central de São Bernardo era o maior centro urbano da região com 229 imóveis sujeitos ao imposto predial, seguida de Ribeirão Pires, com 100. Os demais núcleos eram S. Caetano com 42, Rio Grande da Serra, com 37, e Bairro da Estação São Bernardo  com apenas 22 (5). No ano de 1900, este quadro  pouco tinha mudado, exceto pelo grande crescimento do Bairro da Estação (Santo André), que aparecia então com 70 imóveis, e principalmente, do aparecimento do alto da Serra, já com 125 prédios, como segundo maior centro (6). No decorrer da década de 1900, se percebe um certo crescimento  em toda região, mas sobretudo no Alto da Serra, em São Caetano e, principalmente no Bairro da Estação, que aparece claramente em 1909 como maior centro urbano da região, com 316 imóveis sujeitos ao imposto predial contra  239 de São Bernardo (7).   

Outra fonte  importante para investigar as dimensões da urbanização na região é   relativa ao imposto sobre Indústrias e Profissões, que indicava as atividades comerciais, industriais, e de prestação de serviços no município. Este registro é compatível com os dados do imposto predial.  São Bernardo aparece durante toda a década de 1890 como a localidade que concentrava maior número estabelecimentos comerciais e de prestadores de serviços urbanos, atingindo 71 contribuintes desta espécie em 1895, seguido por Ribeirão Pires que atinge 43 contribuintes em 1900. Todos os outros centros partem de menos de 10 contribuintes em 1890 e crescem ao longo da década (8) (9). O núcleo  do Alto da Serra ultrapassa São Bernardo por uma pequena margem em 1900 , sendo que  o Bairro da Estação faz o mesmo apenas em 1905, mas logo depois  se consolida como maior centro comercial entre as localidades citadas (10).

A explicação  para este desenvolvimento começa com a compreensão de que a região central de São Bernardo  estava localizada junto à estrada que ligava São Paulo e Santos  e  foi a sede da freguesia durante mais de 70 anos. Por este motivo concentrou desde logo atividades comerciais e serviços como o  cartório e escola de primeiras letras.  Foi também a sede do maior núcleo colonial da região, fato que impulsionou significativamente seu crescimento na década de 1890. Este último fator também explica o crescimento de Ribeirão Pires na mesma época. O núcleo do Alto da Serra experimentou uma certa efervescência comercial e demográfica por volta do ano 1900, provavelmente devido à concentração de trabalhadores no local, ocasionada pelas obras  de duplicação da Estrada de Ferro Santos Jundiaí. Já o desenvolvimento do Bairro da Estação- oficialmente denominado Santo André a partir de 1911 - se liga ao acúmulo de grandes industrias às margens da estrada de ferro, a partir, sobretudo, da segunda metade da década de 1890, época de expansão da tecelagem de algodão “Silva ,Seabra & Cia” - maior indústria da região por mais de duas décadas-, da instalação do “Lanifício Kowaric” e da fábrica de móveis  “Irmãos Streiff”. A mesma explicação se aplica a São Caetano, ainda que ali tal crescimento tenha se dado   em um ritmo mais lento e em menor intensidade.

Nas décadas de 1910 e 1920, com a chegada das primeiras   indústrias estrangeiras ao longo da estrada de ferro, o   protagonismo de Santo André cresceu ainda mais (11), fato que   levou, no final da década de 1930, à mudança da sede  do município para o local . A vila de São Benardo, antiga sede, foi então rebaixada à distrito da cidade,  a qual  passou a ser denominada Santo André e que ainda abrigava todas as demais localidades citadas.  A emancipação dos municípios  da região aconteceria no  decorrer das três décadas seguintes: São Bernardo (1944), São Caetano (1948), Ribeirão Pires  (1954), Mauá (1953). Diadema (1958), Rio Grande da Serra (1964).

            

Acima: Vereadores empossados em 15 de Janeiro de 1925, na sede da Câmara Municipal de São Bernardo. Provinham de  diferentes localidades do município: João Colombo (São Bernardo), José Maria Figueiredo (Rio Grande da Serra/Ribeirão Pires/Alto da Serra), Saladino Cardoso Franco e Homero Thon (Santo André), Dr. Francisco Perrone. João Domingues Perrela (São Caetano) também foi vereador empossado naquela data, mas não aparece na fotografia. Abaixo:Mapa editado em 1911, pela Comissão Geográfica e Geológica do Estado de São Paulo, que mostra a região do Grande ABC tal como se encontrava no ano de 1906, quando uma versão preliminar do mesmo documento foi produzida. Acervo Biblioteca Nacional, disponível no sítio eletrônico da Biblioteca Luso Brasileira.

              

 

Notas:

(1) - Cf. Santos, Wanderley. Antecedentes História cós do ABC Paulista: 1550-1892.São Bernardo do Campo, PMSBC. 1992. p. 75.

(2) - Ibidem. p. 139.

(3) - Cf. Lista nominativa de habitantes de S. Paulo e S. Bernardo – 1829. Acervo: Arquivo do Estado de S. Paulo.

(4) - Cf. Câmara dos Deputados de São Paulo. Parecer nº 83. 1888.

(5) - Cf. Informação anexa ao ofício da Câmara Municipal de São Bernardo, de 5 de julho de 1893, dirigido ao Diretor Geral da Instrução Pública do Estado, por Manoel J. de Oliveira Cata Preta, vice presidente da Câmara. Acervo: Arquivo do Estado de São Paulo;

(6) - Cf. Câmara Municipal de São Bernardo. Livro de registro do Imposto Predial (1900-1902);

(7) - Cf.  Prefeitura Municipal de São Bernardo. Livro de Registro do Imposto Predial e Taxas de Esgoto 1909-1919. Acervo: Museu de Santo André Dr. Octaviano Armando Gaiarsa.

(8) - Cf. Procuradoria da Câmara Municipal de São Bernardo. Livro de Lançamento dos Impostos Municipais. Livro nº 1. 1890-1892. Acervo: Museu de Santo André O. Gaiarsa

(9) - Cf. Câmara Municipal de São Bernardo. Procuradoria. Impostos diversos (1893-1899);

(10) - Cf. Câmara Municipal de São Bernardo. Imposto de Indústrias e Profissões (1904-1909). Acervo: Museu de Santo André O. Gaiarsa

(11) - Cf. Relatório apresentado a Câmara Municipal de São Bernardo pelo prefeito Saladino Cardoso Franco, 1916. Acervo: Museu de Santo André Dr. Octaviano Armando Gaiarsa.

 

     

Pesquisa, texto e acervo: Centro de Memória de São Bernardo

 

Alameda Glória, 197, Centro

Telefone: 4125-5577

E-mail: memoria.cultura@saobernardo.sp.gov.br

 

Veja esta e outras histórias da cidade no portal da Cultura:

https://www.saobernardo.sp.gov.br/web/cultura/tbt-da-cultura