“Eu sou antes, eu sou quase, eu sou nunca. E tudo isso ganhei ao deixar de te amar”.
(Água Viva – Clarice Lispector)
O romance “Água Viva” da escritora Clarice Lispector, publicado em 1973, é um representante da produção literária da chamada terceira geração modernista ou Geração de 45.
“Água Viva” é uma prosa marcada por algumas características desse período literário, como a escrita de forma mais intimista, que trata de temas e dilemas humanos e existenciais a partir de seus personagens e enredos, muitas vezes se confundindo autor, narrador e personagem no desenvolver da narrativa.
“Também tenho que te escrever porque tua seara é a das palavras discursivas e não o direto de minha pintura. Sei que são primárias as minhas frases, escrevo com amor demais por elas e esse amor supre as faltas, mas amor demais prejudica os trabalhos”.
Essa obra escrita em primeira pessoa, nos traz as divagações de uma pintora solitária, que durante toda a narrativa faz uma série de reflexões e digressões, sobre questões da existência, do ser ou não ser, do poder das palavras. Um fluxo de consciência que marca a trama desse romance por inteiro. Utilizando uma linguagem poética, e valendo-se de alegorias e metáforas, a autora nos faz mergulhar no universo dessa personagem feminina, partindo das questões mais íntimas para refletirmos sobre temas humanos e universais. Dialogando com um interlocutor não presente, mas que fez parte de sua vida em algum momento.
“E se eu digo "eu" é porque não ouso dizer "tu", ou "nós" ou "uma pessoa", sou obrigada à humildade de me personalizar me apequenando mas sou o és-tu”.
Um romance denso e intenso, Clarice parece brincar com as palavras e com a linguagem, narrando a própria importância da escrita e da palavra para expressar sentimentos, emoções e reflexões sobre si, sobre o outro e a realidade que os cerca.
Prosa que corre como água corrente, com fluxo constante, onde tudo flui e nada permanece como dizia Heráclito, enfim uma correnteza de água viva.