Um dos itens mais antigos e valiosos do acervo do Centro de Memória de São Bernardo do Campo é a coleção do  semanário “O Progresso”,  um dos primeiros jornais escritos e impressos em São Bernardo, entre março de 1911 e maio de 1912 (1). Cada edição possuía apenas 4 páginas,  divididas fundamentalmente entre  a publicidade oficial da prefeitura, pequenas  notas  sobre a sociedade local, anúncios de comerciantes da região, comentários sobre temas nacionais e regionais, textos literários, além de curiosidades diversas, que às vezes revelavam aspectos inusitados do cotidiano do antigo município.

Alguns  empresários da época tem em “O Progresso” a única fonte documental remanescente que traz  registros   sobre  suas atividades. É o caso de Francisco Iorio,  dono da oficina de relojoeiro “A Pendula Nacional”. Único do gênero no município, este empreendimento tinha sede na Rua Marechal Deodoro, onde oferecia, além dos trabalhos típicos do ramo, cravações de brilhantes e pedras preciosas, trabalhos em ouro e prata – como anéis e gravações – e até concertos de máquinas de costura e gramofones. Outro exemplo é Ferdinando Gasparini, cuja fábrica de quadros era então a única indústria localizada no Bairro dos Meninos – atual Rudge Ramos  (2). Entre as casas comerciais,  aparece o armazem de secos e mollhados de Fabbricio Fabrini – que anunciava a venda de bebidas nacionais e estrangeiras e tinha sede no bairro do Piraporinha.

Em “O Progresso”, breves notícias  muitas vezes traziam testemunhos únicos sob aspectos quase que não  documentados da vida dos são-bernardenses de então.  A caçada de uma onça pintada no sítio do Major Benedito Cesário do Nascimento – hoje bairro de Nova Petrópolis – em maio de 1911  é o tema de uma delas (3). O incidente, que  ocorreu durante uma caçada de veados, realizada por  Francisco Mariano Galvão Bueno e Daniel Beber, mostra que a restrita área urbanizada da cidade ainda era muito próxima de regiões de matas com a presença de animais selvagens. Em outra nota,  a existência do costume de se realizar serenatas pelas ruas da cidade é atestada. Atendendo à reclamação de  munícipes, o editor do jornal cobrou providências da polícia para que acabasse com a prática  que supostamente  perturbava o sono dos que precisavam trabalhar no dia seguinte (4).

Poesias, contos, folhetins,  e crônicas compunham a faceta literária do semanário, a qual estava presente todas as semanas. O jornal contemplava desde autores consagrados, como Machado de Assis e Bocage, até os pouco desconhecidos, como o advogado piracicabano José de Castro Lagreca,  que aparece  em diversas edições com crônicas  e sonetos. Na verdade,  Vários autores, que talvez residissem na região, publicavam sob pseudônimos - hoje indecifráveis - com “PUF”, “X.X”, ”FRAMBOR”. Entre  estas obras literárias,  a mais longa, cujos trechos estão presentes  em quase todas as edições de “O Progresso”, é o folhetim “Diva”,  escrito por José de Alencar e  publicado originalmente em 1865.

Sendo vendido por 200 réis,  pode-se dizer que “O Progresso” era um jornal relativamente caro, uma vez que publicações da capital,  como “O Correio Paulistano” ou “O Estado de São Paulo”, com muito mais páginas, custavam a metade do preço.  Sua tiragem provavelmente era baixa, e a maioria de seu público possivelmente era constituída  por comerciantes, políticos e funcionários da prefeitura, como os que freqüentemente eram citados em suas páginas, quando ocorriam nascimentos, viagens, mortes, doenças e aniversários a eles relacionados eles ou a seus familiares.  Políticos poderosos, como o Senador José Luiz Fláquer (6) e o presidente da Câmara Municipal João Batista de Oliveira Lima (7), por exemplo, poderiam receber longos e extremados elogios em ocasiões como estas. Uma grande parte do semanário era preenchido pela publicação de comunicados, balanços, leis, atas da câmara, e outros atos administrativos da prefeitura municipal, que provavelmente era a grande financiadora do jornal.

O jornal possuía algumas colunas fixas. O escritor L. Franco  era o responsável pela coluna Educação Analítica – Spencer em São Paulo, que versava sobre ciências e saúde. No Bairro da Estação – Santo André - E Tolentino Walay escrevia “Terno”, coluna constituída sempre por 3 textos com  comentários sobre  a administração pública e o cotidiano da região. Luiz Cardoso escreveu as  colunas  “Ensino Público” e “Moral nas Escolas”, tratando sempre do tema da  educação.

Para muitos  acontecimentos e aspectos da história da região nos anos de 1911 e 1912,  “O Progresso” é uma fonte indispensável.  É o caso do aparecimento dos primeiros cinemas da região do Grande ABC, como  o “Cinema Trípoli”, por exemplo, que  funcionou no Salão da Sociedade de Mútuo Socorro da Savóia, em Santo André. Era um empreendimento de José Pasin, que futuramente criaria o Cine Enrico Caruso, em São Bernardo (8).  O “Cinema Paulista” também tem vários registros de sua atividade no semanário. Localizava-se no Salão Prugner, um sobrado que estava onde hoje é o Edifício Wallace Simonsen, na esquina da Rua Dr. Fláquer. Pertencia a Carlos Prügner e José  D’Angelo, ambos ex- vereadores no município. Um anúncio,  no dia 27 de agosto de 1911 dizia “ esta casa de divertimentos (...) oferece hoje aos numerosos habitués, um variado espetáculo cinematográfico, em que serão exibidas 12 novas e escolhidas fitas, algumas com grande metragem (...). Há filmes de grandes sensações, ao lado de uma cena dramática haverá outra que fará rir a não mais poder o mais pacato e sisudo espectador.”   

A maior parte das edições publicadas de “O Progresso” pode ser consultada no acervo do Centro de Memória de São Bernardo do Campo (Alameda Glória, nº 197).

 

Trecho da capa do Jornal  “O Progresso”. 14/04/1912.  

               

Notas:

(1) - Cf. Jacobine, Jorge Henrique Scopel. Imprensa em São Bernardo na primeira metade do século XX.  2023.  Acessível em: https://www.saobernardo.sp.gov.br/web/cultura/imprensa-em-sao-bernardo-na-primeira-metade-do-seculo-xx.

(2) - Cf. Jornal “O Progresso”, 14/5/ 1911. p. 4. Código da cópia digitalizada: 28699.  O exemplar perdeu parte da primeira página e por isso não tem a data oficial  de publicação, mas   várias referências presentes nos textos restantes indicam  o dia 14/5.

(3) - Cf. Jornal “O Progresso”,  28/5/1911, p.3.

(4) - Cf.  Jornal “O Progresso”, 31/3/1912, p.2.

(5) - Cf. José Legreca escreveu também em publicações  paulistanas,  como a “Revista Feminina”  ( Cf. Revista feminina, 28/7/1923, p.6). Era irmão  de Francisco de Castro Lagreca, poeta piracicabano que alcançou certa celebridade na época. Cf. Jornal “O Progresso”, 2/7/1911, p1 ;   17/09/11, p.1;  15/10/1911, p. 1-2 .

(6) - Cf. Jornal “O Progresso”, maio de 1912.  Código da cópia digitalizada no CMSBC: 28725.

(7) - Cf. Jornal “O Progresso”, 2/7/1911. p.1.   

(8) - Cf. Jornal “O Progresso”, 14/5/1912, p.3; 21/5/1912, p.3.

 

 

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