“Minha mãe sempre costurou a vida com fios de ferro”
“A cor dos olhos de minha mãe era cor de olhos d’água. Águas de mamãe Oxum! Rios calmos, mas profundos e enganosos para quem contempla a vida apenas pela superfície”.
Esses são trechos de um dos contos do livro Olhos d’Água, da escritora Conceição Evaristo, publicado no ano de 2014, e que destacamos para falar como os quinze contos que compõem a obra são como os cursos fluviais, ora calmos e fluídos, ora, em outros momentos, agitados e caudalosos. Chegam a extravasar seus limites, fecundando suas margens com todos os seus componentes e detritos, causando impactos profundos naqueles que são atingidos pelas suas águas.
Como destaca a própria autora, sua escrita se destaca pela “escrevivência”, uma prosa que expressa suas experiências de vida e vivências sociais, propiciando uma multiplicidade de tipos de personagens que vocalizam suas visões de mundo numa perspectiva dos de baixo, dos excluídos, dos que vivem à margem da sociedade, sujeitos ativos que, mesmo vivenciando condições precárias de trabalho e de sociabilidade, lutam pelo protagonismo de suas próprias vidas e histórias.
Conceição Evaristo vivenciou essas situações, da infância pobre ao trabalho doméstico até os 25 anos, quando concluiu o Ensino Médio. Também sentiu na pele a sua condição de mulher negra e, de alguma forma, tais experiências estão presentes em muitas das personagens femininas do livro.
As personagens dos contos são, em sua maioria, mulheres negras e periféricas, avós, mães, esposas, filhas, trabalhadoras, que nos mostram a multiplicidade dos lugares das mulheres e seus papéis sociais, muitas vezes marcadas pela violência e submissão e, ao mesmo tempo, pela resistência, pela ocupação de outros espaços, de outras formas de ser que façam frente a esses condicionamentos sociais.
Ana Davenga, Maria, Duzu, Natalina, Luamanda, Ayoluwa, são algumas dessas personagens, que vivenciam no seu cotidiano a violência doméstica e urbana, os preconceitos de classe, raça e gênero, mas que insistem em continuar vivendo, sonhando e de serem senhoras de suas vidas, mesmo quando a realidade cruel e excludente se impõe e ceifa essas tentativas. São também as mulheres da narrativa que trazem consigo a ancestralidade e a identidade afrobrasileira, evocando ritos, memórias e o reencontro com o sofrimento e a resiliência de seus ascendentes.
“Eu entoava cantos de louvor a todas as nossas ancestrais, que desde a África vinham arando a terra da vida com suas próprias mãos, palavras e sangue.”
O livro Olhos D’água é uma daquelas obras que nos cortam na carne, como uma navalha afiada, e com intencionalidade. Um narrativa que tenciona a empatia, colocar o leitor no lugar do outro, de entender o mundo pela perspectiva daquele que narra, de suas personagens e suas tramas. Nenhum leitor passa ileso aos torpedos de realidade lançados por Conceição Evaristo, mas com toda a sensibilidade e riqueza de prosa típicas de uma grande escritora.
“Querença, haveria de sempre umedecer seus sonhos para que eles florescessem e se cumprissem vivos e reais. Era preciso reinventar a vida, encontrar novos caminhos. Não sabia ainda como”.
Vídeos Youtube:
Conceição Evaristo – Escrevivências
https://www.youtube.com/watch?v=QXopKuvxevY
O Trilha de Letras recebe a escritora Conceição Evaristo
https://www.youtube.com/watch?v=9lpOGN36WxA
Leitura do conto Olhos D’água
https://www.youtube.com/watch?v=_yVHVp1-JOU&t=110s
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