O tema distopia e seus desdobramentos temáticos marcaram a história da Literatura do século XX. Romances nacionais e estrangeiros, que trouxeram em suas narrativas questões relativas a realidades distópicas, marcadas por textos que vocalizaram desmandos, autoritarismos e descrença na razão e na Ciência. Tantas obras foram escritas a partir deste tema que muitos estudiosos o definiram como um gênero literário, a literatura distópica.

Em comparação a eras passadas chegamos a um máximo de racionalidade técnica e de domínio sobre a natureza. Isso permite imaginar a possibilidade de resolver grande número de problemas materiais do homem, quem sabe inclusive o da alimentação. No entanto, a irracionalidade do comportamento é também máxima, servida frequentemente pelos mesmos meios que deveriam realizar os desígnios da racionalidade”.  (Antônio Cândido, crítico literário).

O conceito filosófico de distopia foi utilizado pela primeira vez, em 1865, pelo filósofo John Stuart Mill durante uma sessão do parlamento britânico para se referir a uma realidade oposta à utopia. A realidade distópica caracterizada por uma perspectiva de mundo pessimista, saturada de incertezas em relação ao futuro.

O final do século XIX e início do século XX foram marcados por um grande desenvolvimento econômico das potências capitalistas, com suas políticas coloniais e de exploração dos recursos naturais e humanos dos países periféricos. Essa expansão do capital globalizado vem acompanhada com grandes avanços e inovações científicas e tecnológicas. Os mesmos poderiam significar uma melhor qualidade de vida para os habitantes de todo o planeta, entretanto, o avanço da técnica também potencializou as máquinas de guerra das potências imperialistas e a instauração de regimes políticos autoritários e sociedades normatizadas por éticas de controle totalitárias.

"A nossa sociedade ocidental contemporânea, apesar do  seu progresso material, intelectual, dirige-se cada vez menos para a saúde mental, e tende a sabotar a segurança interior, a felicidade, a razão e a capacidade de amor no ser humano”. (Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley).

Uma obra literária distópica, de forma geral, traz uma narrativa de ficção de sociedades futuristas caracterizadas pelo desenvolvimento da técnica e por regimes políticos ditatoriais, onde o estado e sua classe dominante se utilizam de ferramentas da Ciência e da razão para o controle das massas populares, a padronização de condutas e comportamentos sociais, e a normalização e reprodução das desigualdades.

“O fato de ser uma minoria, mesmo uma minoria de um, não significava que você fosse louco. Havia verdade e havia inverdade, e se você se agarrasse à verdade, mesmo que o mundo inteiro o contradissesse, não estaria louco”. (1984, de George Orwell).

 

Obras como Nós (1924), de Yevgeny Zamyatin, Admirável Mundo Novo (1932), de Aldous Huxley, 1984 (1949), de George Orwell, Fahrenheit 451 (1953), de Ray Bradbury e Rio 2054 - Os Filhos da Revolução, de Jorge Lourenço são narrativas ficcionais que representam a produção literária da literatura distópica. Livros escritos em momentos e espaços distintos, mas têm em comum os temas próprios das distopias, como a injustiça, as incertezas, a tirania e o medo como mecanismos de controle e perpetuação de poder.

“Guerra é Paz. Liberdade é Escravidão. Ignorância é Força” (1984, de  George Orwell).

A literatura distópica como gênero literário, e as obras produzidas a partir dessa estética, foram e continuam sendo fundamentais para refletirmos sobre em que tipo de sociedade vivemos, e de como os avanços científicos e tecnológicos não garantiram uma vida melhor para a maior parte dos habitantes do planeta, e muitas vezes significou a desumanização e a concentração de riquezas.

Hoje, assistimos a uma série de crises, social, econômica, sanitária e humanitária. Cenários humanos próprios de um romance distópico, mas termos a consciência desas realidades e suas dinâmicas de produção e reprodução são essenciais para a resistência e a utopia.