Filho de uma tecelã, o marceneiro Sakichi Toyoda nasceu na Vila de Yamaguchi (atual Kosai), Japão, em 1867 (1). No ano seguinte, seu país, sob o governo do Imperador Mutsuhito, iniciou um longo ciclo de modernização política e econômica, do qual o processo de industrialização era parte fundamental (2). Depois de prosperar projetando e produzindo diversos modelos de tear e outras máquinas para indústria têxtil, Sakichi fundou, em 1924, a Toyoda Automatic Loom Works Ltda, empresa que fabricava um inovador tear automático. Em 1933, o filho de Sakichi, Kiichiro, criou uma subdivisão dedicada à produção de automóveis nesta indústria. Em 1937, esta subdivisão se tornaria independente, transformando-se na Toyota Motor Company Ltda. Por motivos publicitários a denominação Toyoda foi alterada para Toyota (3). Nesta época, sob o incentivo de Sakichi, Kiichiro foi aos Estados Unidos conhecer a poderosa indústria automotiva americana. Neste momento, imaginando estratégias para o sucesso em um mercado já ocupado por grandes fábricas, os dirigentes da empresa japonesa iniciaram o desenvolvimento de métodos inovadores de gestão industrial, os quais, posteriormente, se tornariam influentes no mundo inteiro, sob a denominação de “Sistema Toyota de Produção”, ou, no Brasil, “Toyotismo”. Um deles é o chamado “Just in Time”, que contrariando as tendências da época, evitava a criação de grandes estoques de peças e produtos - os quais imobilizavam capital e implicavam em custos de armazenamento - e incentiva a produção apenas na quantidade e no momento necessário para o atendimento da demanda (4).
Na década de 1950, no âmbito de um processo de expansão internacional de seus negócios, a Toytota iniciou suas operações no Brasil. Já em 1952, foram importados os primeiros veículos japoneses para o país e foi anunciada a instalação de uma oficina de montagem em São Paulo. Nakae Toyoda afirmou então que a prioridade era construir caminhões e ônibus, em um ritmo de 600 veículos por mês (5). Em 1954, a Arpagral S/A importava, montava, e distribuía jipes, chassis de ônibus e caminhões Toyota no Brasil. O galpão de montagem ficava na Rua do Manifesto, no Bairro do Ipiranga, na capital paulista (6). Em 1959, com a filial industrial brasileira já criada - a Toyota do Brasil S/A - a empresa iniciou a montagem do veículo utilitário Land Cruiser - depois denominado “Bandeirante” - em galpões alugados, na Av. Presidente Wilson no Ipiranga (7). À exceção de duas experiências efêmeras na China, entre o final dos anos 1930 e o início dos anos 1940, essa montadora brasileira foi a primeira planta industrial da Toyota construída fora do Japão ( 8 ). Em dois anos, quase 800 veículos foram montados através do sistema CKD, número que representou um marco importante na história da empresa ( 9 ).
Segundo o livro Toyota, 50 Anos de Brasil - Ampliando Horizontes, a vinda da Toyota para o Brasil está ligada às iniciativas do imigrante japonês residente em São Paulo Ichiro Nishitani. Em viagem ao Japão Ischiro teria procurado um dos diretores da Toyota e sugerido a exportação dos primeiros veículos em 1952. Pouco tempo depois, Nishitani, que já era comerciante em São /Paulo, fundou a Arpagral S/A (10).
Devido à política de nacionalização da produção automotiva promovida pelo governo Juscelino Kubitschek, a Toyota sabia que precisava aumentar a proporção de peças produzidas no Brasil em seus utilitários. Para isso, trocou os motores originais importados do Japão por motores Mercedes produzidos em São Bernardo, e expandiu suas operações fabris, construindo uma nova planta industrial. O local escolhido para o novo empreendimento foi São Bernardo do Campo, devido à presença do parque automotivo já instalado no local, o qual facilitava a aquisição das autopeças - como o motor Mercedes Benz - necessárias para atingir os altos níveis de nacionalização exigidos pelo governo. O terreno, com área de 192 mil m², localizado na Avenida Piraporinha (Bairro Planalto) (11), foi adquirido no início de 1961, e a nova planta inaugurada em 12 de novembro de 1962 ( 12).
Já no seu primeiro ano de funcionamento oficial, a fábrica de São Bernardo elevou a produção da Toyota para 1510 veículos anuais. O grau de nacionalização do Bandeirante atingiu, neste momento, o índice de 80 %. No ano seguinte, a produção do veículo saltaria para 2237 unidades (13).
Em 1966, devido à inadimplência de uma parcela de seus compradores, a empresa apresentou balanço deficitário (14). Neste mesmo ano pagou um total Cr$ 1309737,00 a seus empregados, que compunham uma média mensal de 381 pessoas (15). O salário mensal médio pago por trabalhador foi de Cr$ 286,47, o equivalente a 3,41 salários mínimos da época. Neste mesmo momento, a Volkswagen pagava uma média de 4,18 salários. Algum tempo depois, em 1971, um dos anos do chamado “milagre econômico” brasileiro, o número de funcionários havia subido para 402, e a remuneração média para 4,58 salários mínimos (16).
Na segunda metade da década de 1960, a Toyota era a menor entre as seis fabricantes de automóveis da cidade. Um dos motivos era o fato de que não produzia seus motores. A montadora com dimensões mais próximas era a Karman-Guia. Ainda assim a arrecadação de impostos municipais diretos era maior na Toyota. Em 1966, o empreendimento japonês pagou Cr$ 78,77 mil de impostos municipais diretos, Cr$ 521 mil de impostos estaduais - parte do qual também revertia ao município, e Cr$ 1,02 milhões de impostos federais. O valor pago diretamente ao município correspondeu à 0,38% do total arrecadado pela cidade naquele ano. Em comparação, a maior indústria da cidade – a Volkswagen- contribuiu neste ano com 14,4% do total de impostos municipais arrecadados diretamente, excluindo os repasses estaduais e federais (17) (18).
Em 1998, a Toyota inaugurou uma nova unidade fabril, em Indaiatuba, com o objetivo de produzir o automóvel Corolla – um dos veículos mais vendidos no mundo. Era uma fábrica muito maior e mais avançada que a de São Bernardo, a qual continuava produzindo novas versões do Bandeirante, agora com motor importado do Japão (19). Em 2012, surgiria outra grande fábrica da empresa em Sorocaba e, em 2016, mais uma em Porto Feliz. Neste meio tempo a Toyota São Bernardo encerrou a fabricação do Bandeirante (2001), e passou a produzir autopeças para as outras plantas – sobretudo partes da pick-up Hilux, sendo definitivamente desativada em 2023.
Máquina japonesa fabricada na década de 1930. Foi importada pela Toyota para ser empregada na sua planta de São Bernardo do Campo.
Esteve no local até 2023.
Notas:
(1) - Gagete, Élida. Toyota, 50 Anos de Brasil – Ampliando Horizontes. São Paulo, Editora DBA. 2008. p.30
(2) - Cf. Enciclopédia Larousse on-line. Verbete Meije Tenno ( https://www.larousse.fr/enc.../personnage/Meiji_tenno/132627) . Mutsuhito é também conhecido como Imperador Meiji, em referência ao período da História do Japão que coincidiu com seu governo, denominado Era Meiji.
(3) - Cf. Enciclopédia Britannica on-line, Verbete Toyota Motor Corporation.
(4) - Cf. Gagete, Élida. Idem. p.34-39.
(5) - Cf. Jornal “O Estado de São Paulo”, 29/8/1952. Cad. Geral. p. 22.
(6) - Cf. Jornal Correio da Manhã, 25/8/1954. 4º caderno .p.6.
(7) - Cf. Gagete, Élida. Idem. p.55.
(8) - Cf. Sítio eletrônico oficial da Toyota Global. https://www.toyota-global.com/.../activity/china/index.html
(9) - Cf. ANFAVEA. Anuário da Indústria Automobilística Brasileira - 2014. São Paulo, CEDOC, 2014. p.116.
(10) - Cf. Gagete, Élida. Idem. p.54.
(11) - ANFAVEA. Indústria Automobilística Brasileira - Novembro/1972.São Paulo: Sindicato Nacional da Indústria de Tratores, Caminhões, Automóveis e Veículos Similares, 1972. p.125.
(12) - Jornal “O Estado de São Paulo”, 10/11/1962. Cad. Nacional. p.9.
(13) - Cf. ANFAVEA. Anuário da Indústria Automobilística Brasileira - 2014. São Paulo, CEDOC, 2014. p.116.
(14) - Cf. Gagete, Élida. Idem. p.69.
(15) - O número de funcionário da fábrica em São Bernardo do Campo variou ao longo do tempo. Em 1995 chegou a empregar 670 trabalhadores. Cf. Jornal “Folha de São Paulo”, Edição on-line. 28/11/1995.
(16) - ANFAVEA. Indústria Automobilística Brasileira - Novembro/1972.São Paulo: Sindicato Nacional da Indústria de Tratores, Caminhões, Automóveis e Veículos Similares, 1972. p.125 e p.127.
(17) - Idem.
(18) - PMSBC. Departamento de Topografia e Cadastro. Subisídios Estatísticos I. 1973. p.85
(19) - Cf. Gagete, Élida. Idem. p.111-114.
Pesquisa, texto e acervo: Centro de Memória de São Bernardo
Alameda Glória, 197, Centro
Telefone: 4125-5577
E-mail: memoria.cultura@saobernardo.sp.gov.br
Veja esta e outras histórias da cidade no portal da Cultura:
https://www.saobernardo.sp.gov.br/web/cultura/tbt-da-cultura