No dia 22 de julho de 1978, a Sra. Ondina Corradi, antiga moradora da cidade, tecelã e comerciante, gravou um depoimento histórico com a equipe da  “Sala São Bernardo”, da Biblioteca Pública Municipal, o qual hoje integra o Banco de História Oral do Centro de Memória de São Bernardo do Campo (1). Nas falas de D. Ondina se entrelaçam correntes da memória social, elementos para construção da história do município ,fatos biográficos e  impressões pessoais sobre a sociedade.  Todos estas características são comuns em gravações de Programas de História Oral,  como as que tem sido coletadas ao  longo dos anos pelo Centro de Memória. E estão entre os motivos pelos quais acervos desta natureza são tão ricos, sendo passíveis de serem utilizados como documentos por ciências como a antropologia, a sociologia e a história.

Ondina Corradi,  nasceu no dia 4 de agosto de 1919 em Jundiaí. Era filha de Daniel Corradi e Maria Artioli. Segundo Ondina, a família Corradi, de origem italiana, se estabeleceu  em uma área entre a Vila Gonçalves a Vila Duzzi, e 1880. Um recenseamento do Núcleo Colonial São Bernardo, produzido pelo governo estadual em 1896,  revela a presença de 8 familiares morando no local ,  sendo que os 4  mais velhos - incluindo Daniel - eram provenientes do Tirol, uma área da Itália, que à época, pertencia à Áustria (2) . Em Jundiaí Daniel teve 7 filhos, entre eles Antenor Corradi.  Depois de residir em naquela cidade por alguns anos, Daniel retornou com a família para São Bernardo em 1923, vindo a falecer pouco tempo depois. Sua família foi criada na antiga residência  dos Artioli no número 713 da Rua Marechal Deodoro, próxima à Capela Santa Filomena.

Em poucas frases, Ondina resume as possibilidades do operário na cidade, nas décadas de 1930 e 1940. “Eu comecei a trabalhar em uma tecelagem, na travessa Marechal Deodoro, era uma tecelagem pequena. Agora parece que é uma fábrica de móveis, não existe mais a tecelagem. Naquela época, os empregos que eram oferecidos eram poucos. Haviam apenas duas opções de trabalho. Fábrica de Móveis para os homens e tecelagens para as moças. Trabalhei na tecelagem do Sr, Pensier Ronchetti e também trabalhei nas indústrias Pelosini”. Enquanto ponto de vista individual, a memória oral deixa lacunas. Aqui, por exemplo, Corradi não menciona a realidade rural de grande parte de São Bernardo, onde pequenos agricultores encontravam no trabalho em suas próprias  terras uma fonte de renda fundamental.

Na primeira metade do éculo XX, as condições materiais e os significados da pobreza e da riqueza eram diversos daqueles da atualidade, como a depoente descreve: “A alimentação não era muito deficiente (...) as  famílias eram numerosas,  o poder aquisitivo era baixo, mas em todas as casas havia quintal. Então todo mundo tinha sua horta, sua laranjeira, seu pessegueiro. Criava   galinhas. Criava porco. As pessoas faziam pão em casa, como minha mãe fez durante muitos anos, depois começou vir de Santo André um fornecedor de pão de uma padaria lá (..) e aí ela parou. Fazia macarrão em casa. Nos sábados e domingos os rapazes iam pescar na represa e traziam peixe. (...) Naquela época não havia a classe média. Havia apenas a classe operária, as pessoas que trabalhavam, e havia uma pequena minoria de donos de fábricas e algum comerciante .O povo tinha um padrão de vida igual. (...) Todo mundo andava vestido simplesmente. Só tinha roupa de serviço e aos domingos tinham uma roupa melhor – na gíria, “a roupa da missa”. Era muito pobre.  Como não havia evolução de moda como há agora, era uma coisa que era natural, ninguém sentia. (...) Naquele tempos as crianças andavam descalças, como eu, que andei muito descalça, ia na escola descalça ou de tamanco”.

Os fortes laços sociais que então envolviam toda a população do  pequeno centro urbano  de São Bernado  também são apontados por Corradi: “O divertimento vinha naturalmente (...). Os habitantes de São Bernardo  moravam todos no centro. As casas comerciais de hoje eram todas residências. Era uma população compacta. Vivia tudo ligado um com o outro(sic). Surgia um acontecimento todos ficavam a par. Havia um baile ... ia estrear um circo.Todo mundo ia no circo. As moças iam assisitir aos jogos ( de futebol) – uma tinha irmão,  outra tinha namorado que jogava, outra porque o pai era sócio. Haviam pic-nics, festa juninas - muitas famílias davam festas nesta época de junho. Havia participação do povo em tudo. Então naquele tempo havia divertimento o ano inteirinho. Haviam as pessoais mais tradicionais, da igreja, que achavam que ir ao baile não ficava bem, então iam mais à Igreja, mas não deixavam de participar também, porque havia festas na  Igreja, 3 e ou 4 festas por ano, tinha procissão, tinha barracas, tinha banda , tinha baile no salão da sociedade italiana. “

Continuando sua descrição do entretenimento, Ondina acrescenta ainda: “Houve uma época, em que eu era criança, eu lembro que houve até uma Companhia de Teatro, dos operários mesmos, não havia líder intelectual. O teatro era realizado no próprio local do cinema. Houve um show de calouros também. “ Sobre o hoje folclórico episódio do conflito entre torcedores dos times de futebol de Santo André e São Bernardo, Ondina também apresenta elementos novos:  “ A torcida de Santo André veio pra cá. Quando eles saíram tinha uma senhora que morava aqui na esquina e tinha um armazém. Ela guardou bastante cebola podre, ovo estragado ... e deu pra todo mundo. Inclusive eu joguei um ovo e bateu no menino. Ele estava passando no caminhão e começou a chorar “   

Em 1990, Ondina gravou um segundo depoimento para o acervo de História Oral, falando,  além dos temas já citados, do sindicalismo e da vida política da cidade, incluindo a trajetória de militância de esquerda de sua própria família.    

           

Ondina Corradi em sua residência no momento da gravação de seu depoimento. Rua Marechal Deodoro, 713. 1978.

 

 

Notas:

(1) - Cf. Corradi, Ondina. Banco de História Oral do Centro de Memória de S.B.C. Depoimento. 22/7/1978.

(2) - Cf. Estado de São Paulo. Inspetoria de Terras, Colonização e Imigração. Livro de Matrícula dos Colonos do Núcleo Colonial de São Bernardo. (1877/1892). Acervo: Arquivo do Estado de São Paulo.

(3) - Cf. Corradi, Ondina. Banco de História Oral do Centro de Memória de S.B.C. Depoimento. 5/11/1990.

 

 

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