Em 1877, boa parte do atual território do município de São Bernardo do Campo foi dividida em centenas de terrenos rurais e urbanos destinados prioritariamente  ao estabelecimento de imigrantes europeus. Para tanto, as grandes fazendas dos monges beneditinos – “Jurubatuba” e “ São Bernardo” – e do Alferes Francisco Martins Bonilha foram adquiridas pelo governo imperial e vendidas, à baixo preço,  em pequenos lotes rurais – cerca de 15 hectares em média – e urbanos –  em geral cerca de 2370 m², a colonos que ficavam obrigados a construir casa e produzir roças dentro de um prazo de seis meses. Os lotes do recém-criado Núcleo Colonial São Bernardo estavam agrupados, para fins de identificação e localização,  em unidades chamadas ”linhas”, sendo que as quatro primeiras a serem criadas, ainda em 1877, foram: “Sede” ,a única dedicada a  lotes   urbanos, organizados, sobretudo, a partir da margem leste da Rua Marechal Deodoro, entre as esquinas com as ruas Dr. Fláquer a Rua Silva Jardim, até encontrar o antigo Córrego das Laranjeiras, sob a atual Avenida  Prestes Maia; “Jurubatuba”, com 79 lotes rurais, abrangendo o atual Bairro Assunção inteiro, quase  todo o Bairro Planalto, e  parcelas do Centro, Casa, Demarchi e Independência; “São Bernardo Velho”, com 19 lotes rurais,  integrado principalmente por partes dos  bairros Anchieta, Centro e Jordanópolis; “São Bernardo Novo”,  composto quase que totalmente por terras situadas às margens da Rua Tiradentes,  pertencentes, sobretudo,  ao Bairro Santa Terezinha e ao Montanhão, mas também, com trechos  do Centro e do Ferrazópolis. Novas linhas foram criadas entre 1886 e 1888:  “Camargo”, com  apenas 12 lotes,  que hoje corresponde ao  Bairro do Alves Dias;  “Galvão Bueno”, de 33 lotes, situada em áreas dos atuais bairros Batistini e Demarchi ; “Rio Grande”,  localizada na região da  sede do distrito do Riacho Grande; “Meninos”, 23 lotes, integrado por boa parte do Bairro  Rudge Ramos e trechos da Paulicéia;  e “Dutra Rodrigues”,  29 lotes, no Montanhão, chegando até as proximidades das  margens do Rio Grande. Por fim, as últimas linhas foram criadas entre 1891 e 1894, em  áreas bastante  distantes do centro do município: “Rio Pequeno” e “Rio Capivari” , nas proximidades dos rios homônimos, com mais de 70 lotes cada uma; “Bernardino de Campos”, de 1894, última linha efetivamente ocupada, ainda que em poucos lotes. No total foram projetados cerca de 630 lotes, mas apenas 427  estavam habitados  no final da década de 1890.  No Rio Grande,  por exemplo, entre  83 lotes,  em apenas 31 existiam pessoas  residentes (1).

Em 1897, a administração do Núcleo Colonial realizou  um recenseamento e o  integrou  ao livro de matrícula do colonos,  o qual  constitui hoje o mais importante documento relativo ao tema, trazendo  dados específicos sobre os moradores de cada lote, incluindo nome, idade,  o nível  de escolaridade, sexo, estado civil e local de nascimento. Informa também a profissão do proprietário, a data de estabelecimento no núcleo, os débitos com o o governo imperial, entre outras indicações. As considerações que se seguem são baseadas neste documento (2).

Com  2177 habitantes e 427 imóveis ocupados, a média de moradores por domicílio do Núcleo Colonial era de 5,1 - quase que o dobro da taxa registrada no município em 2020, que foi de 2,7 (3).  Havia grandes diferenças entre a diversas partes da colônia. A área com maior densidade ocupacional era a Linha Jurubatuba, com 7 hab/lote.  Esta era também, em 1897,  a região com mais moradores – 445 habitantes,  mais lotes efetivamente ocupados – 63, e maior percentual de italianos entre os moradores proprietários (95%). A menor de taxa média de moradores  por lote se apresentava na Linha Capivary - 4,3 hab./dom. Esta linha possuía  um total de 262 habitantes e 61 lotes ocupados, dos quais, 41%  pertenciam a poloneses, 31% a alemães e 11% a austríacos.

 

A maioria dos proprietários de lotes residentes no Núcleo Colonial São Bernardo era italiana (51%) (4). Os demais  lotes estavam divididos entre proprietários poloneses (22%), brasileiros ( 10%), alemães (9%), austríacos (3%), e de outras nacionalidades – francesa, suíça, russa ,dinamarquesa,armênia, portuguesa e espanhola - que somadas atingiam apenas 5% do total. Considerando o local de nascimento do  total dos moradores, temos 872 brasileiros, 770 italianos, 310 poloneses, 112 alemães , 54 austríacos e 51 de outras nacionalidades. O elevado número de brasileiros em um local destinado prioritariamente a imigrantes se explica pelos nascimentos o ocorridos  nas primeiras duas décadas de existência do núcleo, de modo que entre os brasileiros,  675 (82%) eram filhos de estrangeiros. Considerando-se então a ascendência dos moradores, em 1897,  a população do núcleo ficava assim distribuída: 1271  pertencentes à famílias italianas (59%), 390 à famílias polonesas (18%),  223  à  famílias nacionais ( 10 %), 155 à famílias alemãs  (7%),  62 à famílias austríacas (3%), e 63 à unidades familiares  de outras nacionalidades (3%).   

Enquanto os  italianos eram maioria em diversas linhas coloniais, os poloneses se concentraram no Rio Pequeno - onde  representavam 89 % dos proprietários - e no Capivary. Os brasileiros eram a maioria na linha Dutra Rodrigues - 65% dos proprietários, mas também tinham forte presença nas linhas São Bernardo Velho e Meninos. Os alemães estavam principalmente no Capivary, mas também em São Bernardo Velho e na  sede urbana. As demais nacionalidades estavam distribuídas, sobretudo, pelas linhas Rio Grande, Rio Pequeno e Capivary.

A pirâmide etária dos moradores do núcleo é parecida com aquela que o Brasil possuía em 1980 e diferente da existente nos dias de hoje. A população com idades entre 0 e 14 anos atingia o percentual de 40% , enquanto  o censo de 2022 traz a cifra de 19,8% para esta faixa etária. Cerca de 27 % destas crianças e adolescentes eram imigrantes, e entre os brasileiros, 88,5 % eram filhos de estrangeiros. No outro extremo da pirâmide, apenas 2,3% dos moradores tinham  65 anos ou mais, sendo que a pessoa mais velha era  a brasileira Carolina Ferreira, de 86 anos. Nesta faixa etária os italianos representavam 74% do total de moradores, sendo o restante dividido entre alemães,austríacos e brasileiros. Atualmente a taxa brasileira de moradores nesta faixa etária é mais de 4 vezes maior atingindo 10,9% (5).  Por fim, os 57,5% restantes -1252 pessoas – tinham entre 15 e 54 anos. As alterações  da pirâmide etária ao longo do tempo tem causas diversas, normalmente refletindo  as transformações econômicas e culturais  pelas quais  o mundo passou nos últimos 120 anos. 

Cerca de  617  moradores  do núcleo possuíam algum tipo de  instrução – 38% da população com  7 anos ou mais. Entre eles, apenas 46  eram crianças e adolescentes  com idades entre 7 e  14 anos. Nesta faixa etária existiam  213 nascidos em São Bernardo, e apenas 17  deles (8%)   possuíam  instrução, mostrando que a esmagadora maioria deste grupo não freqüentava as  poucas e pequenas escolas públicas e particulares existentes na região; 19  outras nasceram no exterior, mas, pela idade que chegaram no Brasil, se deduz que provavelmente foram educadas no país, talvez em São Bernardo também; o restante, chegado a pouco tempo, possivelmente foi  educado fora do Brasil.  Entre os mais velhos - 65 anos ou mais - apenas 34% tinha instrução. O maior percentual de instruídos - 44% - se encontrava entre a população com idades entre 15 e 64 anos, podendo ter sido educados dentro ou fora do Brasil.

A agricultura de subsistência e o abastecimento de áreas urbanizadas -  em S. Bernardo e em São Paulo, bem como a pecuária, a fabricação de carvão e a venda de madeira eram as principais atividades da grande maioria dos  moradores do núcleo, que eram proprietários de lotes rurais. Entre os habitantes da sede havia maior diversificação de empreendimentos, os quais abrangiam o comércio - sobretudo, ofícios urbanos tradicionais – ferraria,  sapataria, carpintaria, alfaiataria,selaria, etc - até pequenas indústrias - fábricas de bebidas, de sabão, de charutos e olarias.       

Em 1899, a maior parte das áreas do núcleo colonial já estava emancipada, e por isso, seus habitantes estavam livres da obrigação de observar seu regulamento, que trazia uma série de deveres ligados à conservação dos seus lotes e  suas  áreas públicas ( estradas, pontes, etc ),  bem como à necessidade de  autorização governamental para venda das propriedades (6). De qualquer forma, já faziam muitos anos que aconteciam negociações  e subdividisões de  lotes na área. Muitas terras ainda permaneceram na posse das mesmas famílias até as décadas de 1940 e 1950, quando o processo de industrialização e urbanização se intensificou no município, levando à sua fragmentação definitiva e à  venda da maioria das propriedades.

 

 

Notas:

(1) - Cf. Estado de São Paulo. Inspetoria de Terras, Colonização e  Imigração. Livro de Matrícula dos Colonos do Núcleo Colonial de São Bernardo. (1877/1892). Acervo: Arquivo do Estado de São Paulo

(2) - Cf. Idem.

(3) - Cf. IBGE. Censo  Nacional de 2022.  Tabela  4714 - População Residente, Área territorial e Densidade demográfica;   Tabela  4711 - Domicílios recenseados, por espécie.

(4) - No conjunto das linhas coloniais mais antigas  predominaram as famílias de italianos provenientes da região da Lombardia, sobretudo na Sede (48%) e em São Bernardo Novo (59%). Embora já tivessem uma participação muito significativa desde 1877, os oriundos da região do Vêneto predominaram no conjunto das linhas coloniais criadas entre 1887 e 1888, período de enorme intensificação do fluxo emigratório nas províncias vênetas. A procedência vêneta se verificava em 91% das famílias residentes na Linha Camargo, em 77% das encontradas na Linha Galvão Bueno e em 62% das existentes na linha Rio Grande.

(5) - Cf. https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/18318-piramide-etaria.html

(6) - Cf. JornaL Correio Paulistano, 23 de julho de 1898; Cf. Estabelecimento Colonial da Capital da Província de São Paulo.  Designação de lote de terras ao Sr. Cesari Traballi. Documento C07165 (Pedido de título definitivo de Stefanini Italo).Arquivo do Estado de São Paulo.

 

 

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